Deficiência, Preconceito e Direito
Historicamente as pessoas com deficiência sempre tiveram a imagem de incapazes e dependentes, vários fatores históricos contribuíram para isso, desde o período da antiguidade essas pessoas são vistas de uma maneira distorcida, na Grécia antiga por exemplo, eram rejeitados pela sua não contribuição ativa na sociedade, o mito de Hefestos(Deus do Fogo) filho couxo dos deuses Zeus e Hera, deixa uma enorme contribuição de qual era a concepção de deficientes na época. Sua mãe envergonhada de ter dado à luz um filho deficiente, precipitou-o no mar para que ficasse eternamente escondido nos abismos, ele foi, contudo, recolhido pelas filhas de Oceano, Tetis e Eurínome. Um dia Hefestos resolveu regressar ao Olimpo, fabricou um belo trono de ouro para Hera, mas nele colocou uma armadilha que a mantinha presa, para obrigá-la a chamá-lo de volta, Hefestos solta Hera e assume seu lugar na morada dos deuses. O mito como uma forma clara de expressar como as pessoas da época agiam e pensavam, contribui para reforçar a concepção da importância do homem na organização da sociedade, aspirando sempre o “belo e bom”. O pensamento filosófico de alguns teóricos da época (teorias que exercem certa influencia no pensamento político atual), também demonstravam sua concepção das pessoas com deficiência, Platão no Livro III de sua obra “A Republica” escreveu: A força do corpo também deve ser cuidada e caberá à ginástica desenvolvê- la, sem ter, contudo, por finalidade a formação exclusiva de atletas. A alimentação será simples e simples será também a medicina que deve ser reduzida ao seu estado primitivo, isto é, o de atender aos acidentes mais banais. Aos inválidos não serão dados cuidados: serão simplesmente abandonados , em Aristótoteles encontramos o seguinte fraguimento na obra “A Política”: “...quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda criança disforme” Algumas passagens da bíblia contribuíram para essa imagem distorcida, algumas passagens em que pessoas são castigadas com a cegueira, ou curadas dela devido o arrependimento dos pecados, induziram a um conceito de deficiência como um castigo de Deus. Momentos históricos recentes também contribuíram de forma enérgica para o atual conceito de deficiência. Na Europa do século XX o inglês Francis Galton¹ utilizava de elementos positivistas e darwinistas para defender uma certa “evolução biológica” associada a uma “evolução moral” em que a miséria não era resultado de fatores históricos,mais sim de uma incapacidade de “espíritos e corpos inferiores” em se adaptar as novas condições de evolução. Segundo Agostino² (2004), antes de os nazistas assumirem o poder já se discutia tanto na Alemanha quanto em outros países europeus a possibilidade de eliminação de indivíduos incapacitados, tendo como argumento a redução de custos do Estado com a manutenção de deficientes físicos e mentais. Todos esses fatos históricos descrito acima contribuíram para uma imagem do deficiente focada em sua limitação, e não em suas característica intelectuais.
Em 1948 após a Segunda Guerra Mundial foi criado a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um importante documento internacional focado na defesa de um ideal comum a ser atingido por todos os seres humanos de qualquer região do planeta. Umas das maiores contribuição dessa declaração para a inclusão social está na defesa da igualdade entre os seres humanos independente de suas características físicas ou intelectuais; o artigo I diz : “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, isso possibilita a desvinculação da imagem da pessoa focada em sua deficiência, e sim em seu aspecto de pessoa humana portadora de direitos. No artigo III “Todo ser humano tem direito a vida, à liberdade e a segurança pessoal”, contribui para o fim do conceito da necessidade de eliminação dos deficientes seja por qual for o motivo. No artigo VI “ Todo ser humano tem direito a ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a Lei”, esse artigo acaba sendo uma ferramenta de defesa perante os atores políticos, fazendo com que suas limitações não influenciem na defesa de seus direitos. Todos esses artigos e outros não relacionados a deficiência, foram criados como fundamentos para as legislações dos Estados na procura de um ideal comum, porem encontra-se uma dificuldade muito grande na questão de sua aplicabilidade, pois as Leis de uma Nação tem um forte vínculo com sua história e seu contexto social, fazendo com que os países não adotem de forma igualitária.
No Brasil alem dessa influencia histórica encontra-se relacionado também o problema da desigualdade social, em que deficientes desfavorecidos encontram muito mais dificuldade em desfrutar de seus direitos sociais. De acordo com a Declaração Universal ao qual o pais é signatário, e o próprio artigo I da Constituição Nacional, o homem é portador de dignidade, mas quem de fato garantira isso é o Estado. Umas das implicações do termo “dignidade” esta no acesso a informação, que por sua vez esta associada a formação escolar, dentro disso, muitas escolas principalmente as públicas não possuem estrutura mínima para oferecer a educação essas pessoas, e muitos de seus profissionais não possuem qualificação suficiente para lidar com esse grupo, isso ao longo dos anos ocasionou a criação de centros específicos de educação especial que contribuíram para uma certa segregação dessas pessoas, desvirtuando totalmente a questão de igualdade. Normalmente a população se emociona ao observar o sucesso de alguns deficientes, remetendo à idéia de vencedor, porem essa situação expressa um sentimento singular de superação, ocultando a ausência de incentivos e ações por parte do Estado. A própria terminologia utilizada durante muitos anos para designa-los possui uma certa carga de preconceito, a expressão “pessoa portadora de deficiência” , “pessoa deficiente” e outras utilizadas até mesmo por eles, contribuíram para uma imagem de pessoa não eficiente. A questão da deficiência é que ela faz parte da pessoas, mas não é a pessoa propriamente dita, toda essa terminologia é algo de uma importância extrema já que a linguagem produz julgo de valor; A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembléia da ONU em 2006, assinada pelo Brasil e outros cerca de 80 países em 2007 e ratificada em 2008 pelo Congresso Nacional, acabou por oficializar o termo "pessoas com deficiência".
A Constituição Brasileira possui alguns artigos destinados a proteção dos direitos sociais e políticos dos deficientes ; recentemente foi decretado pelo governo federal na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o decreto 5296 regulamentando as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, com a temática da acessibilidade e do atendimento prioritário. Mesmo abordando uma série de questões, essas normas encontram as mesmas dificuldade dos artigos da Declaração Universal, que é a questão da aplicabilidade. As pessoas não possuem o mesmo tipo de deficiência, existem necessidades diferentes, o que torna muito mais complexo o auxilio por parte do Estado; a pessoa com deficiência visual tem certas peculiaridades diferente do cadeirante, que por sua vez difere dos surdos e mudos, tornando inviável uma generalização. Frente a isso existe a necessidade de que cada vez mais órgãos especializados monitorem essas diferenças na intenção de proporcionar uma justa acessibilidade.
Para que de fato ocorra uma eficiente inclusão social, não é apenas o poder público que deve agir, mas sim todos nós, aceitando a deficiência e levando-a em suas devidas considerações, não subestimando e aceitando que os deficientes tem desejos, vontade própria e podem tomar suas próprias decisões. Ter uma deficiência não faz com que uma pessoa seja melhor ou pior do que uma pessoa sem deficiência. Por causa de sua deficiência, essa pessoa pode ter dificuldade para realizar algumas atividades e, por outro lado, poderá ter extrema habilidade para fazer outras coisas.
Por maior que seja a deficiência, lembre-se da eficiência da pessoa que ali está. A maior barreira não é arquitetônica, nem de comunicação, mas a falta de informação e preconceito.
¹ Cientista e antropólogo inglês, Sir Francis Galton nasceu a 16 de fevereiro de 1822, em Sparkbrook na Inglaterra, e morreu a 17 de janeiro de 1911, em Haslemere.
² Agostinho Ribeiro - Professor Associado Jubilado (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto)